- Publicado em
- 28/12/2023
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Os conhecimentos acumulados em mais de 30 anos de estudo da matemática virão bem a calhar para Marcelo Viana fechar as contas nos próximos anos. Na esteira da conquista do brasileiro Artur Avila, que recebeu a Medalha Fields, equivalente ao Prêmio Nobel da área, em 2014, o especialista em sistemas dinâmicos tem a missão de ajudar a organizar a Olimpíada Internacional de Matemática e o Congresso Internacional de Matemáticos, os dois maiores eventos nesse campo, que acontecem no Rio em 2017 e 2018, respectivamente. Enquanto isso, busca aproveitar o feito de Avila, que se formou no Impa, para popularizar a ciência no país, além de lutar para manter o padrão de excelência conquistado pela instituição nos últimos 60 anos. Viana defende ainda a expansão de programas da entidade para melhorar o ensino de matemática no Brasil. Nesta entrevista, ele fala sobre como pretende fazer tudo isso em meio à crise financeira do país, com perspectiva de corte de 30% no orçamento do instituto só em 2016, o que pode levar ao cancelamento de alguns de seus principais programas voltados a alunos e professores do ensino básico. Em momentos de crise econômica, os investimentos em ciência costumam sofrer muitos cortes. Como está a situação do Impa? Temos consciência de que o país vive uma crise e que isso vai afetar nossos planos no curto prazo, e espero que seja só no curto prazo. Ainda estamos tomando pé em relação ao orçamento de 2016, mas houve um contingenciamento severo, de quase 30%, assim como para todas as organizações sociais ligadas ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Nosso momento é delicado, não vou esconder isso. Estou com audiência marcada para dialogar com o governo para ver uma forma de recompor o orçamento. Mas também é o velho lugar comum de ver a crise como uma oportunidade. Ela deixa meu trabalho de diretor do Impa mais difícil, mas me obriga a ser mais imaginativo. E como isso pode afetar os seus planos para o Impa? Estamos numa situação particular, mas também interessante. Estão acontecendo várias coisas que terão um grande impacto no modo como o Impa vai evoluir e que influenciam como penso que será minha gestão nos próximos quatro anos. A primeira é a Medalha Fields do Artur, que projetou a matemática do Impa internacionalmente e nos abriu as portas da elite mundial. A segunda é que em julho de 2017 vamos realizar no Rio a Olimpíada Internacional de Matemática, um evento complicado de organizar, por ser basicamente com crianças. Além disso, temos o Congresso Internacional de Matemáticos, que vai ser realizado no Rio em agosto de 2018 e que vai fazer do Brasil a capital mundial da matemática, com a participação de mais de 5 mil dos melhores matemáticos do planeta. Por tudo isso, tramita no Congresso Nacional um projeto para declarar 2017 e 2018 o Biênio da Matemática no Brasil. Diferentemente de centros de pesquisa de Harvard e Berkeley, por exemplo, temos uma missão muito maior, que é desenvolver a matemática no país inteiro. Precisamos acentuar isso. E como pretende fazer isso? Já temos, por exemplo, um instrumento muito forte que é Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), que tem penetração enorme no país (ano passado foram 47,5 mil escolas inscritas). Mas precisamos que seja algo mais se quisermos contribuir para mudar a cultura, a visão da matemática em nossa sociedade. Hoje, é uma competição que identifica talentos, e é ótima neste sentido, mas a OBMEP tem que se tornar um projeto educacional com impacto direto sobre a formação de professores e alunos. Para isso, estamos propondo programas ao governo para ampliar o escopo da olimpíada. E que programas são esses? Um deles se chama “OBMEP na escola”. Os professores que atuam junto à olimpíada farão um exame de proficiência em matemática, e daremos aos aprovados a possibilidade de apresentarem um projeto de trabalho para os três anos seguintes ligado à própria olimpíada, à capacitação dos alunos. Além disso, atualmente, a OBMEP começa com a garotada do sexto ano do ensino fundamental e vai até o final do ensino médio, mas queremos incluir os quarto e quinto anos do fundamental. É um esforço grande, porque é encarar outra realidade, vamos passar a lidar também com redes municipais de ensino. E são muito mais escolas, um outro quadro de professores, e crianças menores. Mas acho que terá um impacto enorme, pois quanto mais cedo pudermos atuar, mais salvamos vocações para a matemática. Mas alguns programas que o Impa oferece hoje estão ameaçados, como o Programa de Iniciação Cientifica (PIC), que qualificou milhares de alunos que se destacaram na OBMEP... Tivemos que reformular o PIC. Está sendo direcionado para formar professores do ensino básico e de licenciatura. A princípio, todo aluno medalhista poderia participar do programa, mas os medalhistas de 2015 não terão essa possibilidade, a menos que encontremos uma solução financeira. O que acha do ensino de matemática nas escolas hoje? Toda a generalização é burra, mas a escola que temos hoje é destruidora de vocações, para a ciência, em geral, e para a matemática, em particular. Não estou falando de vocação para ser matemático profissional, mas para entender a matemática nos seus vários níveis de proficiência. Níveis que começam com o necessário para o exercício da cidadania, que o Brasil não oferece. E quanto ao plano de expansão do Impa, orçado em R$ 100 milhões? O Impa, como toda OS, funciona sob contrato de gestão com o governo. Nosso contrato termina em 30 de maio, estou negociando o próximo quinquênio. Isso vai afetar em parte o orçamento do ano, mas vai determinar quais planos poderão ser realizados nos próximos cinco anos. Ainda não tivemos nenhum repasse ao plano de expansão, mas estamos conversando com o governo e repactuando o cronograma. Fonte:http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/a-crise-me-obriga-ser-mais-imaginativo-18574457