- Publicado em
- 28/12/2023
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Relacionar a leitura com a realidade da empresa é fundamental para um clube do livro funcionar como forma de capacitação dos funcionários
O livro "Os primeiros 90 dias - Estratégias de sucesso para novos líderes", de Michael Watkins, caiu no gosto do executivo Marco Contreiras cerca de três anos atrás, quando ele recebeu a indicação de leitura de um chefe que tinha na época. As lições da obra, escrita pelo professor de liderança e mudança organizacional da suíça IMD Business School, foram muito úteis para Contreiras, a ponto de ele montar uma espécie de clube do livro na empresa para discutir "Os primeiros 90 dias".
Hoje gerente da filial São Paulo Litoral da Atlas Schindler, Contreiras passou a indicar o título para quem assume um cargo de gestão pela primeira vez. "O livro é como um manual e ajuda as pessoas a se prepararem para a nova posição", afirma. No clube montado por Contreiras, os novos líderes leem um ou dois capítulos e se reúnem com o executivo a cada quinze dias para discutir os ensinamentos de Watkins. Para deixar as dinâmicas mais interessantes, Contreiras leva outros materiais para as sessões, como cases de outras empresas. Até jogo de tabuleiro já foi usado.
No primeiro encontro, para mostrar a relevância do livro e sua aplicação prática, Contreiras exibe um vídeo para a equipe. Nele, CEOs falam de suas experiências com a obra de Watkins.
A iniciativa do executivo da Atlas Schindler deu tão certo que a área de recursos humanos da empresa institucionalizou o clube do livro. Hoje, em diferentes plantas da companhia, há um treinamento para novos gestores no mesmo formato, incluindo a leitura de "Os primeiros 90 dias" e discussões sobre os ensinamentos do livro.
Ao final de cada sessão os executivos saem com "lições de casa" e nas discussões o mediador sempre traça um paralelo entre a obra e questões do dia a dia da Atlas Schindler. "É uma forma de as pessoas perceberem que a leitura tem impacto prático na posição que estão assumindo", diz Contreiras.
Relacionar a leitura com a realidade da empresa é fundamental para o clube do livro funcionar como uma forma de capacitação dos funcionários. Para Flávio Boan, diretor executivo da consultoria Falconi, é importante criar nas pessoas a demanda pelo conhecimento. Então, um desafio é apresentado à equipe e o livro (ou outros materiais) entram na sequência como subsídio de informação para solucionar a questão. "Para o conhecimento ser absorvido é necessária uma parte prática", diz Flávio.
O fundador da consultoria, Vicente Falconi, desenvolveu um método simples para disseminar o conhecimento dos livros entre funcionários de empresas. Utilizado desde a década de 90 e batizado de "cumbuca", o método prevê que os funcionários do "clube do livro corporativo" leiam um capítulo por semana. Após a leitura há um encontro e, em uma cumbuca, são colocados os nomes dos participantes. Um dos nomes é sorteado e essa pessoa é a responsável por apresentar o capítulo da vez ao grupo. Depois, segue uma discussão sobre os ensinamentos da obra. Se, por acaso, o sorteado não leu o capítulo, a reunião é cancelada.
Na visão de Boan, o método da "cumbuca" funciona por ser simples e porque promove interação entre as pessoas. "Tem gente que não gosta de ler, mas gosta de trabalhar em equipe, de aprender em grupo, e isso acaba incentivando a leitura", explica. O fato de a reunião ser cancelada caso o sorteado não tenha lido também pesa para que todos façam a lição de casa. "Ninguém gosta de ser responsável pelo cancelamento de uma reunião", diz Boan.
Em algumas fábricas da produtora de aços Gerdau o método cumbuca começou a ser utilizado este ano no programa batizado de "Hora do Desenvolvimento". De acordo com o momento da empresa o líder da unidade indica um livro para todos os gestores da planta. Uma vez por semana o grupo se reúne para discutir o capítulo lido.
Na unidade de Guarulhos, na Grande São Paulo, o livro do momento é "Capitalismo Consciente", escrito pelos criadores do movimento de mesmo nome, John Mackey, um dos fundadores do Whole Foods Market, e Raj Sisodia, professor na Babson College. "Nossa ideia é buscar autores de referência para olhar para fora da empresa e, a partir daí, fazer um alinhamento com os assuntos que interessam para o nosso negócio", diz Marcelo Girotto de Mattos, gestor das unidades Cumbica e Cotia da Gerdau.
Na outra unidade liderada por Mattos, a de Cotia, a escolha foi pelo livro "Execução - A disciplina para atingir resultados", do indiano Ram Charan, um dos nomes mais respeitados quando o assunto é gestão e execução eficaz. "Cotia tem diversos projetos em andamento e necessita de execução forte e ágil. Acreditamos que os ensinamentos do livro podem ajudar a melhorar as entregas", diz Mattos.
A ideia de montar o clube do livro surgiu no fim de 2017. "Dei a ideia para o time e todos gostaram de tirar um momento para discutir as referências bibliográficas", afirma o executivo da Gerdau. "Ler um capítulo por semana não é algo tão difícil, é apenas uma questão de se organizar."
Marisa Eboli, especialista em educação corporativa e professora de graduação e do mestrado profissional da FIA (Fundação Instituto de Administração), percebeu um aumento de práticas que incluem a leitura e discussão em grupo de livros de negócios. "Há diferentes modelos, mas todos procuram estimular a leitura e o envolvimento com o assunto abordado", diz Marisa.
Para ela, a prática funciona como ferramenta de capacitação. "Esse tipo de atividade vem crescendo entre profissionais mais qualificados porque tem efeito positivo no desenvolvimento de competências", afirma.
Na SAS Plataforma de Educação, uma empresa com cerca de 450 funcionários, o clube do livro existe desde 2012. Quando entrou na empresa, Edivar Marinho, hoje gerente de gente e gestão, levou a prática para a organização. "Começamos com um grupo pequeno, que se reunia para discutir um determinado livro durante o expediente. Hoje, 85% dos funcionários já participaram de alguma roda de leitura", afirma Marinho.
Há várias rodas simultâneas. Para organizar uma nova basta que um funcionário sugira um livro. Então, monta-se um grupo com as pessoas próximas e empregados de outros departamentos que podem se interessar pela leitura também são avisados. Antes de os encontros começarem o RH dispara um comunicado informando que uma nova roda de leitura vai começar, assim outros interessados podem se unir ao grupo.
"A maior parte das organizações de rodas de leitura é livre, mas algumas são provocadas de forma institucional, sobre livros importantes para a cultura e o dia a dia da empresa", afirma Marinho. "A gente entende que não precisa mediar isso e normalmente os líderes das áreas participam para apoiar a construção de conhecimento e fazer uma relação do que está sendo lido com a rotina da companhia."
Fonte: https://www.sm.com.br/