Pela 1ª vez, o país se prepara para ter currículo nacional para educação básica

Por que essa pode ser a forma mais eficaz de promover igualdade social


Pela 1ª vez, o país se prepara para ter currículo nacional para educação básica

O que os 30 primeiros colocados no Pisa, o ranking de países commelhor desempenho em matemática, leitura e ciências, têm em comum, além de um bem-sucedido sistema educacional? A resposta é: um currículo unificado. Isso quer dizer que em países como Finlândia, Reino Unido, Coreia do Sul e Japão os pais, os alunos e os professores sabem o que cada criança tem de saber fazer em cada período da escola. O Brasil, que, no Pisa,  figura em 57º lugar num ranking com 65 posições, dá agora um passo importantíssimo para melhorar seu sistema educacional.

No último dia 16, o Ministério da Educação liberou a primeira proposta para um currículo comum para alunos do 1º ano do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio. A Base Nacional Comum, como é chamado, detalha o que cada criança tem o direito de aprender a cada ano, independentemente do canto do país em que viva e da situação econômica de sua família. A ideia é que esse conteúdo corresponda a 60% do que as crianças aprenderão. Os outros 40% serão definidos pelas escolas ou secretarias de Educação locais. Podem ser usados para fins variados, como aprofundamento na cultura local, aulas de finanças pessoais ou educação socioemocional. O Brasil está entre os mais liberais. Nos Estados Unidos, o programa fixo corresponde a 70% e na Austrália a 80%. A proposta é o primeiro passo para o envolvimento de pais e educadores na discussão. O MEC receberá críticas e sugestões sobre cada item do currículo pela internet até o próximo ano. Por lei, aproposta final deverá ser aprovada até junho de 2016.  

PARA OS BRANCOS E ABORÍGENES Alunos numa escola da  Austrália. O país optou pela implantação em etapas do currículo comum  (Foto: Stefan Postles/Sydney Morning Herald/Fairfax Media via Getty Images)

Desde a Constituição de 1988, quando todas as crianças passaram a ter o direito à escola assegurado por lei, há tentativas de formar um currículo para o país. Nenhuma dessas tentativas, no entanto, chegou perto do que seria um documento capaz de dizer claramente o que cada criança tem de aprender. Na prática, hoje, essa definição fica a cargo de cada escola. No caso da rede pública, as escolas normalmente selecionam o conteúdo que será ensinado a partir do livro didático que adotam ou que são levadas a adotar – muitas vezes elas não podem escolher o livro que lhes será entregue. Hoje, dependendo da região do país, o conteúdo que cada aluno aprende varia muito. Um estudante do 3º ano de grandes áreas urbanas pode dominar contas de multiplicação de dois dígitos, enquanto estudantes do mesmo período de locais mais afastados podem terminar o ano sem assimilar a lógica da multiplicação. Aalfabetização é o caso mais gritante de disparidade. Entre as crianças de 8 anos, que normalmente cursam o 3º ano, apenas uma em cada cinco é capaz de ler uma frase inteira, de acordo com o último resultado da Avaliação Nacional de Alfabetização, divulgado no dia 17 (leia mais na coluna de Ruth de Aquino). O currículo nacional é uma oportunidade de diminuirdesigualdades de aprendizagem e de oportunidade. Quando implantado nacionalmente, disparidades como as já citadas tendem a diminuir. Independentemente de haver troca de professor, mudança de escola ou mesmo de cidade, cada família sabe o que suas crianças devem aprender e podem cobrar esse desempenho delas e da escola. O currículo nacional tem o potencial de mudar também a carreira do professor – para melhor. Os professores poderão mesmo aprender nas faculdades de pedagogia o que deverão ensinar. Com isso, as chances de melhora na formação inicial dos professores crescem exponencialmente. Da mesma forma, aumentam as oportunidades de criar programas mais efetivos de formação continuada para os professores já na ativa. Essa possibilidade terá impacto principalmente nos anos finais do ensino fundamental, do 6º ao 9º ano, e no ensino médio. Nessas séries, o deficit de professores de disciplinas como física e química chega a 70% em algumas regiões do país. Em muitos locais, essas disciplinas são ensinadas por profissionais que não tiveram formação na área. Ao preparar melhor os professores, será possível avaliar – e cobrar – o desempenho deles na mesma medida. Hoje, uma das principais queixas contra a avaliação de professores é o fato de não se ter consenso do que deve ser medido. Essa pode ser uma forma de pavimentar o caminho para a criação de um plano de carreiraatrelado a desempenho. “Corremos o risco de sofrer um apagão de professores. Estima-se que em seis anos 40% dos professores se aposentarão”, diz Mozart Neves Ramos, diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna, ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-secretário de Educação do mesmo Estado. “Montar um plano de carreira consistente, atrelado a avaliações de desempenho, é o único jeito de tornar essa profissão atraente. Sem isso, não há como pensar em aumento de qualidade da educação.”

>> Ricardo Paes de Barros: “A crise da educação é mais grave do que a da pobreza” Todas essas suposições vivem hoje no mundo das possibilidades. A experiência de outros países mostra um longo caminho até uma Base Nacional Comum bem desenhada e bem implementada. A Austrália, país em que a criação do currículo comum é considerada bem-sucedida, dividiu em etapas tanto as discussões em torno do que deveria constar no currículo quanto a implantação. Por lá, o currículo comum de  inglês e matemática começou a chegar às salas de aula em 2010. O de ciências e ciências sociais, somente em 2014. O cronograma australiano ainda prevê a implantação de outras seis disciplinas, entre economia e artes, nos próximos anos. O intervalo serve para estruturar não só as propostas para cada área, como também para preparar os professores para o conteúdo a ministrar e o material didático para escolas de todo o país. Um dos maiores desafios australianos coincide com um dos nossos. Trata-se dadisparidade de níveis de aprendizado entre a população aborígene (e de outras etnias) e os estudantes das áreas mais urbanizadas do país. Para puxar estudantes de culturas tão diferentes para os níveis mais altos de aprendizagem, o foco da Austrália foi adequar a formação para as diferentes demandas dos professores. Eles foram treinados para resgatar os alunos que estavam em pontos distintos de aprendizagem. Assim como ocorre no Brasil, o currículo nacional australiano faz parte de um plano de educação mais amplo, com objetivos de médio e longo prazos. Apesar das possibilidades trazidas pela Base Nacional Comum, ela não  deve ser encarada como um remédio milagroso. A liberação do primeiro documento para as discussões em torno do currículo escolar é um passo a ser comemorado. Mas é apenas o primeiro de muitos. O envolvimento de todos na discussão é essencial para a construção de um currículo bem fundamentado. Esse currículo deve também ser conectado com o que os alunos precisam aprender para elevar não só nossas notas de matemática e ciências, mas também as oportunidades e a qualidade de vida de todos. É possível conhecer a proposta de currículo e fazer críticas e sugestões no site do programa: basenacionalcomum.mec.gov.br

Fonte: http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2015/10/pela-1-vez-o-pais-se-prepara-para-ter-curriculo-nacional-para-educacao-basica.html

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